No fundo a culpa não é nossa...

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Written on terça-feira, setembro 30, 2008 by Maria

No meio das minhas pesquisas encontrei um livro do brasileiro Luís Fernando Veríssimo chamado "As Mentiras que os Homens Contam". É claro que o título me interessou, nem que fosse para ver o que ele dizia sobre nós. Foi então com agrado que li o prefácio:

Nós nunca mentimos. Quando mentimos, é para o bem de vocês. Verdade.
Começa na infância, quando a gente diz para a mãe que está sentindo uma
coisa estranha, bem aqui, e não pode ir à aula sob pena de morrer no
caminho. Se fôssemos sinceros e disséssemos que não tínhamos feito a
lição de casa e por isso não podíamos enfrentar a professora a mãe teria
uma grande decepção. Assim, lhe dávamos a alegria de se preocupar
conosco, que é a coisa que mãe mais gosta, e a poupávamos de descobrir a
nossa falta de caráter. Melhor um doente do que um vagabundo. E se ela
não acreditasse, e nos mandasse ir à escola de qualquer jeito, ainda
tínhamos um trunfo sentimental. "Então vou ter que inventar uma história
para a professora", querendo dizer vou ter que mentir para outra mulher
como se ela fosse você. "Está bem, fica em casa estudando!" E ficávamos
em casa, fazendo tudo menos estudar, dando-lhe todas as razões para
dizer que não nos agüentava mais, que é outra coisa que mãe também adora.

A primeira namorada. Mentíamos para preservar nosso orgulho, certo?

- Não, não, eu estava passando por acaso. Você acha que eu fico rondando
a sua casa o dia inteiro, é?

Mas o que vocês pensariam se nós disséssemos: "Sim, sim, não posso ficar
longe de você, penso em você o dia inteiro, aqueles telefonemas que você
atende e ninguém fala, sou eu! Confesso, sou eu! Vamos nos casar! Eu sei
que eu só tenho 12 anos e você tem 11, mas temos que nos casar! Senão eu
morro. Senão eu morro!"? Vocês se assustariam, claro. A paixão nessa
idade pode ser um sumidouro. Mentíamos para nos proteger do sumidouro.

Outras namoradas. Outras mentiras.

- Eu só quero ver, juro. Não vou tocar.

Vocês não queriam ser tocadas, mas ao mesmo tempo se decepcionariam se a
gente nem tentasse. Nem desse a vocês a oportunidade de afastar a nossa
mão, indignadas. Ou de descobrir como era ser tocada.

Namorar - pelo menos no meu tempo, a Renascença - era uma lenta conquista
de territórios hostis, como a dos desbravadores do Novo Mundo.
Avançávamos no desconhecido, centímetro a centímetro, mentira a mentira.

- Pode, mas só até aqui.

- Está bem. Não passo daí.

- Jura?

- Juro.

- Você passou! Você mentiu!

- Me distraí!

Dávamos a vocês todos os álibis, todas as oportunidades para dizer depois
que tudo acontecera devido à nossa calhordice e não à vontade que vocês
também sentiam. Não mentíamos para vocês, mentíamos por vocês. Os
verdadeiros cavalheiros eram os que enganavam as mulheres. Os calhordas
diziam, abjetamente, a verdade. Não faziam o que juravam que não iam
fazer, transferindo toda a iniciativa a vocês. É ou não é?

Mas isso tudo mudou, desgraçadamente bem quando eu deixei para trás as
tentações do mundo e entrei para uma ordem (a dos monógamos). A revolução
sexual, que um dia ainda vai ser comemorada como a Revolução Francesa,
com a invenção da pílula anticoncepcional correspondendo à queda da
Bastilha e o fim dos sutiãs ao fim da monarquia - e o termo sans culotte,
claro, adquirindo novo significado - tornou o relacionamento entre homens
e mulheres mais franco e desobrigou os homens de mentir para as mulheres
para salvar a honra delas. Aliás, dizem que a coisa virou de tal maneira
que hoje a mentira mais comum dita pelos homens é "Esta noite não,
querida, estou com dor de cabeça". Não sei. Mas continuamos mentindo a
vocês para o bem de vocês.

"Rmmwlmnswl" não significa que nós estamos fingindo dormir com medo de
ir ver que barulho é aquele na sala. Significa que estamos fingindo
dormir para que você vá ver com seus próprios olhos que não é nada e
pare com esses temores ridículos, e se for mesmo ladrão nos avise a
tempo de pular pela janela.

"Fiquei fazendo companhia ao Almeidinha, coitado, ele ainda não se refez"
significa que a nova gata do Almeidinha só saía com ele se ele
conseguisse um par para a prima dela, e nós fazemos tudo por um amigo,
mas não queremos estragar a ilusão de vocês de que a separação deixou o
Almeidinha arrasado, como ele merecia.

"Está quase igual ao da mamãe" significa que não chega aos pés do que a
mamãe fazia, ou então que está muito melhor, mas que o importante é vocês
não se sentirem nem tão ressentidas que decidam atirar o doce na nossa
cabeça e depois se arrependam, nem tão confiantes que parem de tentar
ser iguais à mamãe, e no dia que a gente disser que está sentindo uma
coisa estranha bem aqui, só para não ir trabalhar e ficar vendo o
programa da Xuxa, vocês não digam "Comigo essa não pega" e nos botem
para a rua.


Como se provou aqui, nós, se mentimos, é sempre para o vosso bem! Posso dizer até que a mentira para nós é uma coisa penosa, mas a vossa felicidade compensa esse erro.

Portanto a próxima vez que reclamarem connosco por causa duma mentira qualquer, pensem primeiro a ver se vocês não foram as principais benificiadas por essa mentira ;)

Já agora quem se quiser aventurar na leitura deste livro, tem aqui o link para uma versão praticamente ilegível.


Beijos e abraços

Piero

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